Nome Autor(a): Lispector, Clarice |
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Quanto a Aladim, soltava minha imaginação para as lonjuras do impossível a que eu era crédula: o impossível naquela época estava ao meu alcance. A idéia do gênio que dizia: pede de mim o que quiseres, sou teu servo – isso me fazia cair em devaneio. Quieta no meu canto, eu pensava se algum dia um gênio me diria: “Pede de mim o que quiseres.” Mas, desde então, revelava-se que sou daqueles que têm que usar os próprios recursos para ter o que querem, quando conseguem.
Tive várias vidas. Em outra de minhas vidas, o meu livro sagrado foi emprestado porque era muito caro: ‘Reinações de Narizinho’. Já contei o sacrifício de humilhações e perseveranças pelo qual passei, pois, já pronta para ler Monteiro Lobato, o livro grosso pertencia a uma menina cujo pai tinha uma livraria. A menina gorda e muito sardenta se vingara tornando-se sádica e, ao descobrir o que valeria para mim ler aquele livro, fez um jogo de “amanhã venha em casa que eu te empresto”. Quando eu ia, com o coração literalmente batendo de alegria, ela me dizia: “Hoje não posso emprestar, venha amanhã”. Depois de cerca de um mês de venha amanhã, o que eu, embora altiva que era, recebia com humildade para que a menina não me cortasse de vez a esperança, a mãe daquele primeiro monstrinho de minha vida notou o que se passava e, um pouco horrorizada com a própria filha, deu-lhe ordens para que naquele mesmo momento me fosse emprestado o livro. Não o li de uma vez: li aos poucos, algumas páginas de cada vez para não gastar. Acho que foi o livro que me deu mais alegria naquela vida.
Clarice Lispector in "A Descoberta do Mundo" Ed. Rocco - Rio de Janeiro, 1994